O chumbo do existir: notas sobre a ocupação de fazer livros
DOI:
https://doi.org/10.30681/moinhos.vi14.13895Palavras-chave:
livro artesanal; literatura independente; autoria.Resumo
rocuro contribuir para a compreensão da atividade de fazer livros manualmente, à qual cada vez mais escritores têm aderido, perguntando se o ato de construir o objeto que será suporte do texto modifica a relação daquele que escreve com o que escreveu. Apoio-me com certa liberdade numa noção materialista do ato de escrever, remetendo algumas vezes a Benjamin, e certamente na ideia de sujeito do desejo inconsciente, buscada em Lacan. Meu movimento se decompõe em três passos. Começo oferecendo um relato pessoal das experiências que, na idade adulta, me levaram de volta à escrita literária e, em seguida, à confecção de livros. Esta gênese está associada a um olhar para trás, para a infância, por meio da relação entre um pai e um filho. O segundo passo é a narrativa do abandono desse aconchego narcísico em favor de tentativas de troca mais amplas, que resultam em algo que, a meu ver, já pode ser nomeado como atividade literária. Procurando entender o que se passou entre o primeiro e o segundo momento, arrisco três respostas à pergunta lançada no início. Primeira: relativizando a ideia de que os livros feitos à mão estejam nos levando de volta a um mundo de impressos pré-industriais, afirmo apenas que a atividade de produzir livros suspende temporariamente a dicotomia entre industrial e manual, o que é uma forma de aprender sobre ambos os tipos e processos. Segunda resposta: estamos diante da emergência de uma nova figura do autor, constituído como homem comunitário, para o qual fazem pouco sentido as separações entre o texto e o suporte, entre o indivíduo “criador” e a massa leitora. Terceira e última resposta: a confecção manual de livros é uma modalidade de trabalho monótono cujo efeito consiste em refrear processos associativos potencialmente danosos à própria criação literária, forçando aquele que escreve a decretar um ponto de separação definitivo entre si mesmo e o texto que, ganhando seu próprio corpo, deve também ter direito a uma vida.
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