A espiritualização da ansiedade e o éthos sacerdotal no discurso religioso de um manual de aconselhamento
DOI:
https://doi.org/10.30681/real.v18i01.13586Palavras-chave:
Discurso religioso, Aconselhamento comportamental, Autoajuda, Análise do discurso, Semântica globalResumo
O discurso religioso constitui um sistema sociodiscursivo de grande complexidade, cuja sacralização dos enunciados e a articulação de elementos linguísticos, históricos e institucionais dão base a modelos de crença e de orientação da conduta. Este estudo objetivou analisar as instâncias de fala em um manual brasileiro de aconselhamento comportamental, gênero conhecido como "literatura de autoajuda", com ênfase no manejo da ansiedade. Em consonância com a semântica global de Maingueneau (2008a), operacionalizou-se, para a referida análise, os planos do estatuto do enunciador e do destinatário e do modo de enunciação na obra Como controlar e vencer a ansiedade? (Zandoná, 2018). A investigação demonstrou a construção de um éthos sacerdotal mediador, sustentado por citações bíblicas e referências teológicas, que hierarquiza a relação entre o enunciador (sacerdote) e o destinatário (fiel), conferindo autoridade a um hiperenunciador divino. Estratégias discursivas mistas, combinando injunções diretas, modalizações deônticas e operadores circunstanciais, revelam a manutenção de uma dicotomia entre fé e descrença, bem como o conservadorismo nos papéis de gênero e a espiritualização do sofrimento psíquico, de modo a reproduzir estruturas de poder simbólico e minimizar abordagens terapêuticas de cunho laico.
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