TESTEMUNHO E LITERATURA ATRAVÉS DA ALTERIDADE EM MEMÓRIAS DO CÁRCERE, DE GRACILIANO RAMOS
Resumo
Nosso artigo expõe uma interpretação de Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, que contempla a alteridade como modo de representação de uma matéria cuja particularidade decorre de apresentar a história através dos recursos da ficção. Graciliano Ramos registrou uma versão dos fatos mediante o discurso da subjetividade, rompendo, assim, com as práticas discursivas que convencionalmente produzem a verdade sobre a realidade histórica e a memória coletiva. O texto plasma a contradição, presente nesta modalidade literária, entre um discurso que se pretende objetivo e científico, como o do jornalismo e o da historiografia, pertencentes às instâncias produtoras de um saber socialmente legitimado como verdade, e um discurso subjetivo, pessoal, ligado às falhas da memória individual, que, no entanto, não descarta seu compromisso com a realidade histórica objetiva. O testemunho literário deste escritor elabora-se nesta zona fronteiriça: não é pura ficção, nem pura história. Mas aqui o esforço de testemunhar uma experiência extrema, árdua matéria narrativa, transforma-se, admiravelmente, num exercício de autorreflexão e autocrítica. Os procedimentos discursivos para levá-lo a cabo assumem a forma de aporias, frases interrogativas, expressões dubitativas, modalizantes de incerteza, que exprimem os impasses e as dificuldades de se conhecer o outro, o mundo e a si próprio de modo objetivo, racional e consciente. O imperativo ético e filosófico de denunciar as atrocidades do poder do Estado no século xx associa-se à necessidade de romper a fronteira com o outro, dar-lhe voz, levando em conta os limites de sua apreensão. O processo de criação literária do escritor- testemunha, nesta obra, apresenta formas de alteridade como seu eixo temático e elemento estruturador da narrativa.
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Referências
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