A EXPRESSÃO ERÓTICA EM O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO, DE JOSÉ SARAMAGO
Resumo
Uma das vertentes mais conhecidas da poética ficcional do português José Saramago é a recriação de alguns enredos retirados da mitologia bíblica, de que são exemplos os romances O Evangelho segundo Jesus Cristo, publicado em 1991, e Caim, última obra do escritor, lançada um pouco antes de sua morte, em 2009. Possivelmente, tais produções advêm da visão crítica, lançada pelo autor e por alguns de seus contemporâneos, à lusitanidade, cuja identidade histórica está, intimamente, atrelada ao catolicismo. Destarte, essas narrativas, de explícito viés parodístico, recriam o imaginário judaico-cristão com o intuito de ressignificá-lo, sobretudo ao lançar sobre personagens sagradas uma feição profanadora, tais quais a representação de Deus como um soberano autoritário e interesseiro, ou a textualização de um Messias profundamente humano, ou, ainda, a defesa afetiva do primeiro assassino mítico da humanidade, Caim. Com base nesse entendimento, portanto, este trabalho pretende analisar como as sugestões eróticas propelidas sobre a figura do Salvador, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, assumem relevância estético-ideativa ao reformularem, com uma nítida lógica dessacralizadora, o enredo mais consagrado do Ocidente. E, para tal fim, recorremos ao suporte teórico de RubémSolísKrause, em Erotismo: a cultura libertina (2007), de Dominique Maingueneau, em O discurso pornográfico (2010) e de Susan Sontag, em “A imaginação pornográfica” (2015), no que tange às discussões acerca da literatura libertina; e, ainda, de Mikhail Bakhtin, em A cultura popular na Idade Média e no Renascimento (2010), no que se refere aos esclarecimentos a respeito do rebaixamento típico da carnavalização.