v. 9 n. 2 (2016): Revista de Estudos Acadêmicos de Letras
APRESENTAÇÃO
A presente edição, volume 09 número 02 - 2016, da Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT, compreende um conjunto de dez artigos de pesquisadores que tratam da linguagem em duas grandes áreas do conhecimento, são textos de análises linguísticas e literárias. Este número da REAL está dividido em duas seções atendendo o escopo editorial da revista: A Seção I, aberta aos textos linguísticos; e, a Seção II, atende os textos das análises literárias.
O artigo de abertura da Seção I, O lugar social da mulher na obra A Muralha, de Dinah Silveira De Queiroz, escrito pelas autoras Cristiane Gonçalves Blum Figueiredo, Elisandra Benedita Szubris e Neuza Benedita da Silva Zattar analisa na perspectiva da Semântica do Acontecimento de Eduardo Guimarães (2005), os lugares sociais das mulheres que protagonizam a obra A Muralha de Dinah Silveira de Queiroz, ou seja, como essas mulheres foram representadas socialmente pela autora. Esta pesquisa analisa como se dá a constituição dos lugares sociais de onde enunciam essas mulheres, os papéis que lhes são atribuídos, considerando as condições sociais, históricas e de linguagem que as determinam no início da colonização do Brasil.
As autoras Gabriella Duarte dos Reis, Fernanda Surubi Fernandes e Olimpia Maluf-Souza em Campanhas de combate à violência feminina: Os efeitos de sentido do (não) denunciar analisam em que medida os sentidos postos em funcionamento, materializados nas políticas públicas de enfrentamento à violência feminina, veiculados pelo discurso da mídia que circula através de cartazes, propagandas e comerciais televisivos, produzem efeitos de conscientização sobre o sujeito-leitor. Esta pesquisa constitui-se a luz do viés teórico da Análise de Discurso materialista de linha francesa, que tem como preconizador Michel Pêcheux, na França, sendo difundida e representada por Eni Orlandi, no Brasil. É, pois, nessa direção que as autoras tomam como recorte dois cartazes de combate à violência feminina, e a partir da análise desse material, compreendem como as materialidades significantes, verbais e não verbais, instituem sujeitos e sentidos através de uma memória que produz sobre a mulher o silêncio e o medo como medida.
Eliene Cristina de Jesus e Silvana Azevedo da Costa Marques em O descobrimento da linguagem escrita: os desafios do acontecimento para as crianças e seus professores ao desenvolverem atividades de leitura e produção textual com alunos dos anos finais do ensino fundamental observaram os constantes e diversos “desvios das normas” linguísticas convencionais. Então, perceberam a necessidade de compreender alguns aspectos do início dessa etapa educacional com o intuito de refletir melhor sobre os “erros” dos aprendizes que supostamente, já deveriam ter domínio da escrita conforme exige a norma padrão. Levando a questão para a escola em um trabalho conjunto com a professora regente da turma de alfabetização as autoras passaram a analisar atividades escritas de algumas crianças desta sala. Para início do artigo são apresentadas algumas considerações sobre essa etapa do aprendizado, sobre a modalidade oral e escrita da língua, letramento, métodos e também sobre a noção do “erro” na perspectiva dos estudos da Psicogênese da língua escrita e da Psicolinguística. A seguir são destacadas algumas atividades com textos produzidos pelos alunos nos quais é possível discorrer sobre alguns “fenômenos” que representam o processo de aprendizagem em curso desses aprendizes.
No artigo intitulado Traços sonoros na escrita: considerações linguísticas e discursivas Fátima Graziele de Souza e Weverton Ortiz Fernandes promovem uma reflexão sobre a relação grafema/fonema a partir das vertentes variacionistas e discursivas. Os autores objetivam promover um espaço de problematizações acerca das questões gráficas trabalhadas em processos de alfabetização e letramento.
Kelsse Nathanielly Boffulin em Práticas de leitura e movimento de sentidos propõe apresentar a proposta de intervenção, produzida nas aulas de Língua Portuguesa, do 8º ano “A” do Ensino Fundamental da Escola Estadual “Wilson de Almeida, em Nova Olímpia/MT. A autora se valeu de distintas práticas de leitura sobre a temática do Consumismo, escolhida pela turma. Para tanto, esta escrita inscreve-se nos domínios da Análise do Discurso fundada a partir dos trabalhos de Michel Pêcheux na França e Eni Orlandi, no Brasil, da qual foi possível mobilizar alguns conceitos teóricos, como gestos de interpretação, formação discursiva, condições de produção, tomando como corpus diversas materialidades, como dicionários, tirinhas, texto narrativo, poema, com o intuito de possibilitar aos alunos a compreensão sobre o funcionamento do discurso, da língua na produção dos sentidos. Foi pertinente mostrar aos estudantes que a linguagem tem uma opacidade constitutiva e que os sentidos não estão fixos ao texto, mas são produzidos no jogo das formações discursivas, e nós, enquanto sujeitos, somos constantemente interpelados pela ideologia de forma determinada. Assim, pôde-se construir com os alunos um conhecimento diferente, através de uma proposição de intervenção sobre a temática do Consumismo considerando os efeitos de sentido do discurso na sociedade. Observando o funcionamento da língua, os gestos de interpretação são afetados pela matéria significante. Ou seja, as diversas materialidades textuais disponíveis ao sujeito-leitor (aluno) possibilitaram diferentes gestos de interpretação, vinculados a diferentes posições do sujeito, a diferentes formações discursivas.
O artigo A educação étnico-racial na formação de professores diante dos desafios culturais da contemporaneidade, produzido por Tatiane Ferreira Garcia, Natanielly de Paula Freitas e Tatiane Carneiro Cardoso tem por intuito suscitar reflexões acerca da formação de professores em relação à educação étnico-racial no ensino fundamental, diante dos desafios culturais na contemporaneidade, os quais sãos transmitidos de forma arcaica através dos livros didáticos. Apontando que esta educação envolve muito mais que o respeito ao próximo, é preciso se repensar a educação básica, norteando e envolvendo os graduandos e/ou os professores em formação continuada a discutirem esta realidade e um novo currículo, dando maior atenção aos conteúdos trazidos pelos livros didáticos.
Na seção II, destinada às análises literárias a pesquisadora Bianca Fida Corrêa em Análise de estrutura de três traduções do poema “The Raven” de Edgar Allan Poe procura apontar as principais diferenças entre as estruturas presentes em três traduções do poema “The Raven” de Edgar Allan Poe, assim como compará-las à estrutura do poema original. Para tal, foram escolhidas as traduções de Machado de Assis, de Emílio de Menezes e de Alexei Bueno, principalmente pelo fato de possuírem tantas divergências entre si. Além da análise das estruturas, serão também apontados os possíveis motivos que estão por trás das escolhas tradutórias realizadas pelos três autores. Considerando a importância de “The Raven” como poesia – em especial sua estrutura impecável –, e de Edgar Allan Poe como autor e poeta, procura-se identificar as diferenças presentes nas traduções e como as mesmas se deram, sem a intenção de escolher a melhor tradução. O foco é, portanto, em levantar essas divergências e os motivos que levaram às mesmas, a fim de explorar e mostrar ao leitor-tradutor algumas características do processo tradutório.
O artigo Caminhos possíveis para a formação do leitor: um olhar para as literaturas africanas escrito por Gisele Meire Tita Nazário da Silva é um recorte do terceiro capítulo da dissertação apresentada ao Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), que teve como proposta uma intervenção teórico-metodológica realizada com alunos do 8º ano do Ensino Fundamental em uma escola no município de Várzea Grande, no Estado de Mato Grosso. Com o objetivo de desenvolver estratégias para a leitura do texto literário africano, nesse caso, o romance “Bom dia Camaradas” do escritor angolano Ondjaki, a partir das temáticas infância e escola, estabelecer um diálogo com outros textos e materiais que possam expandir o repertório de leitura dos alunos e desmistificar essa visão quase que cristalizada que se tem de África. Baseia-se na perspectiva metodológica do Letramento Literário, por meio da estratégia da sequência básica que abre possibilidades para um enfoque intertextual. Os diários de leitura, instrumentos utilizados para auxiliar os alunos na sistematização das impressões e análise da obra, serviram também como material de análise para este trabalho. A execução da proposta de intervenção demonstra que, a experiência do trabalho com o texto literário constituiu-se em rico aprendizado para ambas as partes, tanto para o professor quanto para o aluno, uma vez que a literatura permite saber da vida por meio da experiência do outro, como também vivenciar essa experiência. Nesse sentido, a abordagem das literaturas africanas, inaugura o conhecimento de novos textos e contextos, apontando uma abertura para a diversidade. Entende-se que deva haver uma reestruturação nos currículos escolares, com vistas à introdução desses novos conteúdos, mas também, e sobretudo deve-se emergir problematizações, redirecionamentos conceituais e metodológicos, capazes de implicar em ações concretas e capazes de desconstruir significações e representações presentes nos conteúdos didáticos e no espaço escolar.
A autora Rosenil Gonçalina dos Reis e Silva em A literatura e o livro didático de língua portuguesa: a leitura para a formação do leitor crítico literário busca discutir a formação de leitores, tendo como foco as atividades de leitura de textos nos gêneros da esfera literária. A escolha se deve por considerar a leitura como fundamental na formação social do indivíduo, condição indispensável para o exercício da cidadania. A literatura também contribui na formação do homem, por constituir-se como um fenômeno simbólico e ideológico, passível de múltiplas interpretações, que colabora na promoção de sua autonomia e para uma leitura crítica das diversas problemáticas que se apresentam no dia a dia da sociedade. Desse modo, foram selecionados para a análise, apenas uma atividade de leitura, do volume do 7º ano como representativa de toda a coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa, intitulada “Vontade de Saber Português”, das autoras Rosemeire Alves e Tatiane Brugnerotto, aprovada pelo PNLD de 2014 - Programa Nacional do Livro Didático - selecionada a partir de sua escolha e utilização em uma das maiores escolas públicas de Cuiabá, Mato Grosso, em número de alunos matriculados, num total de 2.300. O objetivo desta pesquisa foi identificar primeiramente quais gêneros da esfera literária estão presentes em cada volume da coleção, em seguida, verificar quais são as atividades que tratam especificamente da leitura e, por fim, verificar que capacidades de leitura essas atividades mobilizam, e se de fato contribuem ou não para o desenvolvimento de capacidades leitoras do aluno. Para tanto, a autora encontra suporte teórico na teoria enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo que, neste recorte, aliaram-se a outras contribuições, como os fundamentos da concepção de Vygotsky para a compreensão de aspectos da linguagem, ideologia e interação, que influenciam na aprendizagem e constituição dos sujeitos sociais, assim como as de Freire, que têm inspirado os estudos do letramento crítico. Trata-se de uma pesquisa de análise documental, de abordagem qualitativa e dialógica. Para fins metodológicos, foi realizado um levantamento quantitativo que ofereceu informações para a análise qualitativa. Assim, de um modo geral, a coleção pouco contribui para a formação do letramento literário e crítico de alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas que o utilizam.
Soila Canam em Evas e Liliths: as mulheres de José de Alencar apresenta análises de duas obras de José de Alencar, com o objetivo de estabelecer analogias e as relações entre as protagonistas e alguns mitos femininos. Dividido em três blocos, o estudo apresenta uma síntese do Romantismo e uma breve biografia do autor. Em seguida a paráfrase das obras Lucíola e Senhora, com o intuito de evidenciar as características das personagens. A terceira parte apresenta alguns mitos femininos, com destaque para Eva e Lilith, e suas relações com Lúcia e Aurélia. Com o estudo é possível compreender a essência da alma de suas heroínas, bem como os papéis que lhes eram impostos pela sociedade contemporânea aos romances. A leitura permite afirmar a existência de espaços cabíveis a homens e outros às mulheres. Nesse sentido, Alencar desenvolve os enredos de Senhora e Lucíola numa relação adversa. Se por um lado, Lúcia percorre a obra habitando em todos os espaços, sem restrições, e isso somente é possível pela sua condição de cortesã. Por outro, Aurélia movimenta-se em locais pertinentes às moças e senhoras de respeito. Essas contradições e conflitos marcam essas obras, com a identidade própria de Alencar. Um autor genuinamente nacional, consciente de seu papel como escritor na sociedade da época. De modo geral, suas obras valorizavam o amor, a religiosidade e a natureza, na intenção de desenvolver uma literatura nacionalizada. Uma verdadeira expressão da alma brasileira, que possibilita aos seus interlocutores uma leitura de transição temporal, do Romantismo ao Realismo.
O conjunto de textos que compõe esta edição da Revista de Estudos Acadêmicos de Letras, permanece fiel à ideia de apresentar para a comunidade acadêmica questões desafiadoras, através de análises linguísticas e literárias. Com esta coletânea, a revista mantém seu propósito inicial de ampliar o debate, bem como de instigar novas reflexões e problematizações no campo da linguagem.
Rodrigo de Santana Silva
Taisir Mahmudo Karim